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Cartório, um nome a ser preservado
Artigo de Marco Antonio de Oliveira Camargo

Foi editada a Lei nº 16.578 do Estado de Santa Catarina  que disciplina, naquele Estado da Federação, o uso dos termos “cartório” e “cartório Extrajudicial” (ao final, transcrito o inteiro teor do dispositivo).

Certamente não é supérflua ou desnecessária, como à primeira vista pode parecer, a edição de um dispositivo legal desta natureza.

É fato que pessoas e empresas, percebendo a existência de um potencial para ganhos e vantagens econômicas, venham a se apropriar indevidamente da denominação cartório para suas atividades comerciais ou empresariais. Exemplo notório é o CARTÓRIO POSTAL, empresa privada, que em nada se relaciona com os cartórios ou os correios e tem como atividade econômica fundamental a prestação de serviços intimamente ligados aos serviços prestados privativamente pelos notários e registradores brasileiros.

O aprofundamento da análise desta lei estadual, suas características, méritos, eventuais falhas e a oportunidade e conveniência de sua replicação em outros estados ou, quiçá, em nível federal, não é o tema deste trabalho (isso certamente será feito pelos colegas catarinenses e de outros estados do país). O que ora se propõe é uma análise, ainda que rasteira e superficial, de um desdobramento dela decorrente: o surgimento no cenário nacional desta lei estadual reascendeu o velho debate que existe no seio da classe notarial e registral, sobre a conveniência do abandono da velha denominação, substituindo-a pelo nome que consta da Constituição e de Lei federal regulamentadora.

O texto oficial da Lei 8935/94 – que, dispondo sobre os serviços notariais e de registro, regulamentou o artigo 236 da Constituição Federal – em  suas mais de 3500 palavras,  efetivamente não contém uma única vez o termo cartório (se algum leitor cético duvidar do resultado alcançado pelo editor de textos utilizado pelo autor, fica o desafio: confira por si próprio).

É bem verdade, entretanto, que a palavra “cartórios” foi acrescida ao título da lei para melhor identificar tal dispositivo. Trata-se, efetivamente, da “lei dos cartórios” e este codinome consta da publicação disponível no Portal da Legislação – acesso porhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm.

Ressalve-se ainda que a Constituição Federal, no referido artigo 236, igualmente não se utiliza da expressão Cartório, para se referir ao local físico onde notários e oficiais de registro exercem as suas funções. Em seu parágrafo 3º encontra-se a disposição: O ingresso na atividade … não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso… (grifei).

Parece evidente, que no lugar da palavra serventia o constituinte poderia ter usado a denominação pela qual, há décadas, é conhecido popularmente este tipo de serviço público: cartório. Entretanto, curiosamente, isso não foi feito.

O que explicaria estes fatos surpreendentes? Nem a Constituição Federal e nem a Lei Federal que regulamenta a atividade utilizam-se da denominação cartório.

Arrisca-se uma explicação, mas não sem correr o risco de cometer algum equívoco na conclusão alcançada. Certamente, aqueles que participaram diretamente, de alguma maneira, da elaboração do dispositivo constitucional e de seu regulamento, pela lei editada em 1994 (muitos deles ainda estão entre nós, na ativa ou gozando de justa aposentadoria) poderiam indicar alguma erro da conclusão apontada, mas a explicação para este fato curioso é a seguinte: não se usou o termo cartório por entendê-lo, à época, pejorativo, arcaico e representativo de um passado que se buscava superar.

A Constituição de 1988 é um fato histórico; o retrato de uma época. Embora elaborada com vistas ao futuro (que haveria de ser por ela regulado), como obra do engenho humano que é, a Constituição não logrou se dissociar do momento e da situação história que possibilitou a sua existência e gerou seu texto e a inteligência de seus dispositivos.

A esperança de mudanças e a expectativa de um futuro verdadeiramente novo, como de se esperar, eram os vetores daquela Assembleia Constituinte.

Era uma época de mudanças necessárias; limiar de uma nova era; tempo de abandonar o passado – velha roupa suja e desgastada – e imaginar um futuro novo e diferente – radiante vestimenta imaginada, ainda em processo de modelagem. Entretanto, não é raro, que no meio de um processo evolutivo, o homem fique nu, pois, tendo se despido dos farrapos e sem ainda possuir a nova roupa tão cuidadosamente concebida, a ele resta apenas a nudez de um presente em mutação.

Deveras, na Constituição de 1988, buscou-se evitar o nome velho e desgastado para uma instituição centenária mas ainda necessária para a organização e funcionamento pacífico da sociedade. Cartório, da forma como existia naquela época, parecia significar coisa burocrática, atrasada, sinônimo de desmandos e apadrinhamento, uma forma de apropriação de coisa pública por particular cujo mérito seria a bagagem hereditária ou a amizade com os poderosos de plantão. Notoriamente os cartórios do passado, com raríssimas exceções, eram deixados como legado para filhos e netos de beneficiários de uma nomeação, nomeação esta que, já em sua origem, nem sempre era transparente ou motivada pela preservação do bem público.

Mas o tempo passou.

A história, teimosamente, encarregou-se de contraditar previsões, frustrar planos e atropelar costumes. Entretanto, muito surpreendentemente, alguns costumes mantiveram-se estáveis, tendo apenas sofrendo as necessárias adaptações que deles a história exigiu.

O caso dos cartórios brasileiros é um belo exemplo disso.

A história recente dos cartórios no Brasil, diferentemente do que previram nossos colegas que participaram da elaboração da Constituição e da Lei 8935/94, provou que, independentemente de manter o uso do velho nome, os cartórios brasileiros adaptaram-se perfeitamente à nova realidade.

A realização de concursos públicos de provimento somada à uma fiscalização mais rigorosa pelo Poder Judiciário e pelo CNJ, além de uma eficiente orientação e prestação de serviços interligados através de Associações de Classe atuantes e eficientes, como por exemplo o Colégio Notarial (criador da CENSEC), ARPEN (que disponibiliza a CRC), IRIB e outras mais, garantiram uma novo conceito para o serviço público delegado a particular e que é conhecido pelo nome CARTÓRIO.

Existe pesquisa realizada pelo renomado instituto Datafolha que indica existir alto grau de satisfação e confiança da população em relação aos cartórios.

A AnoregSP, que fez realizar tal pesquisa, tem em sua página na internet os resultados deste trabalho de pesquisa, e dos comentários consta a seguinte afirmação: A pesquisa do Datafolha revela também que a imagem dos cartórios em geral é positiva. Por exemplo, os profissionais são bem avaliados, entende-se que o cartório oferece segurança e há percepção de melhoria nos serviços. O uso de tecnologia para agilizar os serviços também é percebido por 68% dos entrevistados.  (confira emhttp://www.anoregsp.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=MTEz )

Em arremate é oportuno ressalvar que a evolução e a modernização de uma instituição não dependem do nome pela qual ela é conhecida. Não será o abandono (fruto do anseio pela busca do que é novo) ou a manutenção de um nome antigo (decorrente do apego a um costume tradicional) que irão garantir tal resultado.

O progresso e a evolução resultam de muitos fatores e forças.

Os cartórios no Brasil, com a nova ordem constitucional, tanto evoluíram e modernizaram-se, que a eles é permitida a ousadia de manter o velho nome sem perder a nova identidade conquistada.

É possível afirmar com segurança que, atualmente, apenas na memória dos mais velhos é que a denominação cartório mantém um ranço de coisa arcaica e antiquada. Para a grande maioria dos usuários, os cartórios brasileiros prestam um bom serviço e, por isso, gozam de uma boa reputação.

Cartório, deveras, é um bom nome e deve ser preservado pela instituição.

A lei estadual de Santa Catarina merece ser replicada em outros estados e, segundo entende este autor, seria mesmo oportuna a realização de um debate com vistas a uma possível alteração da Lei 8935/1994, que viesse a reconhecer como de uso privativo dos notários e registradores brasileiros a costumeira denominação cartório, que popular e tradicionalmente, bem identifica o local onde se exercem os serviços públicos a eles delegados, na forma do disposto pela Constituição Federal.

Marco Antonio de Oliveira Camargo – Campinas – SP

(Distrito de Sousas) – Fevereiro de 2015.

Comentários à  citada Lei Estadual,  transcrição integral do dispositivo e ainda o inteiro teor da mensagem de veto parcial à um dos dispositivos da norma  (fonte: página oficial da AnoregSC, acesso emhttp://www.anoregsc.org.br/noticias/detalhes/1699)

Sancionada lei que disciplina o uso dos termos “cartório” e “cartório extrajudicial”

Nova lei veda o uso dos termos por pessoas físicas e jurídicas em nomes empresariais, de firmas ou em nomes fantasia

Foi publicada no Diário Oficial Eletrônico (DOE), de 16/1/2015, a Lei nº16.578, que disciplina o uso dos termos “cartório” e “cartório extrajudicial”, no âmbito do Estado de Santa Catarina. A nova legislação veda a utilização por pessoas físicas ou jurídicas dos termos “cartório” ou “cartório extrajudicial” em seu nome empresarial, firma, denominação ou nome fantasia. Também proíbe qualquer menção dos referidos termos na descrição de serviços, materiais de expediente, de divulgação e de publicidade, na internet ou em qualquer outro meio eletrônico, digital, impresso, de som ou imagem.

A justificativa da lei se deve à constatação da existência de empresas privadas e pessoas físicas, que não foram aprovadas em concurso público para a prestação de serviço cartorial e que não são fiscalizadas pelo Poder Judiciário, estarem utilizando o termo “cartório” para definir seus serviços, ocasionando erro e gerando confusão perante os usuários e cidadãos.

Os serviços notariais e de registro, denominados de “cartórios extrajudiciais”, são exercidos exclusivamente pelos notários e registradores, pessoas físicas responsáveis por desenvolverem uma atividade essencial à sociedade, constituindo-se em profissionais especializados, que atuam por meio de delegação do Poder Público, sendo selecionados mediante concurso público de provas e títulos, de acordo com o art. 236, §3º da Constituição Federal.Na realização dessa atividade delegada, há fiscalização dos notários e registradores pelo Poder Judiciário, segundo art. 236, §1º, C.F. Desse modo, esses profissionais são tecnicamente qualificados, em virtude da aprovação em concurso público, para atuar em suas serventias,sob a estrita fiscalização dos seus atos pelo Poder Judiciário.

A inobservância ao disposto na Lei sujeitará o infrator desde advertência por escrito da autoridade competente como multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) por infração, dobrada a cada reincidência, sem prejuízo daquelas previstas na Lei federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor):

A fiscalização do cumprimento desta Lei nº 16.578/2015 será efetuada pelo PROCON/SC, assim como a realização de campanha informativa ao consumidor. As pessoas que estiverem utilizando o uso do termo “cartório” e “cartório extrajudicial” indevidamente terão 90 dias, para se adaptarem ao estabelecido nova lei.

Lei Nº 16578 DE 15/01/2015 – Publicado no DOE em 16 jan 2015
Disciplina o uso dos termos cartório e cartório extrajudicial no âmbito do Estado de Santa Catarina.
O Governador do Estado de Santa Catarina – Faço saber a todos os habitantes deste Estado que a Assembleia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Esta Lei disciplina o uso dos termos cartório e cartório extrajudicial, no âmbito do Estado de Santa Catarina.
§ 1º Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I – cartório extrajudicial: repartição, local ou estabelecimento onde pessoas físicas realizam, por delegação do Estado e sob sua supervisão, serviço notarial ou de registro; e
II – despachante: pessoa física ou pessoa jurídica de direito privado que realiza serviços de encaminhamento de documentos, desembaraço de negócios e/ou intermediação de atos particulares, em órgãos e agentes da Administração Pública Direta e Indireta, agentes públicos e cartórios.
§ 2º Esta Lei não se aplica aos cartórios judiciais.
Art. 2º As denominações cartório e cartório extrajudicial são exclusivas daqueles que exercem serviços notariais e de registro como delegatários de serviços públicos, nos termos da Lei federal nº 8.935 de 18 de novembro de 1994, ressalvado o disposto no § 2º do art. 1º desta Lei.
Art. 3º É vedado aos despachantes ou a qualquer outro tipo de pessoa física ou jurídica assemelhada:
I – utilizar os termos cartório ou cartório extrajudicial no seu nome empresarial, firma, denominação ou nome fantasia; e
II – fazer qualquer menção aos termos cartório ou cartório extrajudicial para descrever seus serviços, materiais de expediente, de divulgação e de publicidade, na internet ou em qualquer outro meio eletrônico, digital, impresso, de som ou imagem.
Art. 4º (Vetado)
I – (Vetado)
II – (Vetado)
Parágrafo único. (Vetado)
Art. 5º A inobservância ao disposto nesta Lei sujeitará o infrator às seguintes sanções, sem prejuízo daquelas previstas na Lei federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor):
I – advertência por escrito da autoridade competente; e
II – multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) por infração, dobrada a cada reincidência.
§ 1º O valor da multa será reajustada, anualmente, com base na variação do Índice Geral de Preço de Marcado (IGPM/FGV) ou por índice que vier a substituí-lo.
§ 2º O valor arrecadado com a aplicação da multa será revertido para o Fundo para Reconstituição de Bens Lesados (FRBL), instituído pela Lei nº 15.694 , de 21 de dezembro de 2011.
§ 3º A fiscalização do cumprimento desta Lei será efetuada pelo PROCON/SC, assim como a realização de campanha informativa ao consumidor.
Art. 6º As pessoas referidas no caput do art. 1º terão um prazo de 90 (noventa) dias para se adaptarem ao estabelecido nesta Lei, a contar de sua publicação.
Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Florianópolis, 15 de janeiro de 2015.
JOÃO RAIMUNDO COLOMBO – Governador do Estado
NELSON ANTÔNIO SERPA – CÉSAR AUGUSTO GRUBBA – DANIEL LUTZ, designado – LEANDRO ANTONIO SOARES LIMA,designado

MENSAGEM Nº 004 –   EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE, SENHORAS E SENHORES DEPUTADOS DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO

No uso da competência privativa que me é outorgada pelo § 1º do art. 54 da Constituição do Estado, comunico a Vossas Excelências que decidi vetar parcialmente, por ser inconstitucional, o autógrafo do Projeto de Lei nº 292/2014, que “Disciplina o uso dos termos cartório e cartório extrajudicial, no âmbito do Estado de Santa Catarina”.
Ouvida, a Procuradoria-Geral do Estado manifestou-se pelo veto ao seguinte dispositivo:
Art. 4º
“Art. 4º É vedado à Junta Comercial do Estado de Santa Catarina (JUCESC) e aos Oficiais de Registro de Títulos e Documentos e Civis das Pessoas Jurídicas:
Nota: Redação conforme publicação oficial.
I – efetuar qualquer registro de pessoa jurídica que utilize os termos cartório ou cartório extrajudicial no seu nome empresarial firma denominação ou nome fantasia; e
II – arquivar qualquer documento de constituição, alteração, dissolução e extinção de pessoa jurídica que utilize os termos cartório ou cartório extrajudicial em seu nome empresarial ou faça menção em documento que presta serviços de cartório ou de cartório extrajudicial.
Parágrafo único. A JUCESC deverá desarquivar os documentos que afrontam as normas estabelecidas nesta Lei, no prazo de 90 (noventa) dias.”
Razões do veto
“[…..] o Artigo 4º, respectivos incisos e parágrafo único do Projeto, ofendem o disposto no Artigo 22, XXV, da Constituição Federal , que atribui à competência exclusiva da União a legislação sobre registros públicos. […..]
5. Não se desconhece que em relação às Juntas Comerciais a competência legislativa é concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, de sorte que o Artigo transcrito padeceria de inconstitucionalidade parcial apenas no que tange às disposições relativas a registros públicos. Entretanto, segundo prescreve o Art. 66, § 2º, da CF, ‘O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea’.
6. Tais as circunstâncias, o parecer é no sentido de recomendar-se o veto parcial do Projeto de Lei nº 292/2014, mais especificamente do seu Artigo 4º, respectivos incisos e parágrafo único, por ofensa ao disposto no Art. 22, XXV, da Constituição Federal.”
Essa, senhores Deputados, é a razão que me leva a vetar o dispositivo acima mencionado do projeto em causa, a qual submeto à elevada apreciação dos senhores Membros da Assembleia Legislativa.
Florianópolis, 15 de janeiro de 2015.
JOÃO RAIMUNDO COLOMBO –  Governador do Estado.

Fonte: Colégio Notarial do Brasil