*Aluízio Bezerra Filho
Com a celebração do matrimônio nascem os deveres conjugais que consiste na fidelidade mútua da observância dos compromissos morais e jurídicos, oriundos do pacto nupcial.
A infração de qualquer dos termos expressos na norma de regência do casamento, redunda em justa causa para a separação do casal, porém, a restar definida a culpa do cônjuge pelo desenlace, é o mesmo passível de algumas sanções, dentre elas, a reparação por danos morais.
Esse direito a indenizibilidade nasce do dano (material ou moral) causado pelo comportamento culposo do responsável sobre o outro.
Esse dano está na esfera da subjetividade inserido num contexto valorativo da pessoa na sociedade em que repercute o fato danoso ao atingir a intimidade da personalidade humana ou a sua reputação social. Enfim, pela sua pluralidade valorativa pode-se afirmar que venha a ser tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe acidamente os valores fundamentais ao causar-lhe tristeza, descrédito, traumatismo emocionais, depressão, desgaste psicológico, sofrimento moral ou afetação a sua reputação.
Mas, incursionando na conceituação dos deveres conjugais, vamos ver que para o Código Civil, o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. Essa união entre pessoas de sexos distintos é uma controvertida instituição humana, tanto que, o filósofo Sócrates, dizia: “Um homem deve decidir livremente entre casar ou ficar solteiro; afinal, vai terminar se arrependendo do mesmo jeito”.
Já o renomado jurista Clóvis Beviláqua define o casamento civil como “o contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legalizando por ele as suas relações sexuais, estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar e educar a prole, que de ambas nascer”.
No âmbito dessa visão contratual é que se sobressai os deveres de ambos os cônjuges, conforme descreve o art. 1.566, do Código Civil, quais sejam: I – fidelidade recíproca; II – vida em comum, no domicílio conjugal; III – mútua assistência; IV – sustento, guarda e educação dos filhos e V – respeito e consideração mútuos.
A fidelidade conjugal consiste no dever recíproco de não praticarem o adultério ou manterem relações ou conjunções carnais com outras pessoas.
Com efeito, a infidelidade conjugal constitui-se numa quebra do contrato nupcial, que projeta um ato injurioso permissivo de reparação por dano moral ao configurar a hipótese descrita pelo art. 186 do Código Civil, assim escrito: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
A Justiça já se pronunciou em condenar por dano moral a conduta do cônjuge que incorre em ato de infidelidade conjugal, senão vejamos:
“Separação judicial. Ação e reconvenção. Indenização. Configura ato injurioso, violando gravemente os deveres do casamento, a conduta do cônjuge varão, que deixa o lar conjugal para conviver com amiga íntima do casal. Comportamento que causa humilhação, dor, revolta e sofrimento no consorte, ofendendo a sua dignidade e dando ensejo à reparação por dano moral. Interpretação dos artigos 5º, caput; da lei 6.515/77, 186 do código civil e 5º, x da constituição federal. Apelo provido para julgar improcedente o pedido formulado na ação principal e procedente a reconvenção, decretando-se a dissolução da sociedade conjugal, por culpa do autor reconvindo e condenando-o ao pagamento de dano moral”. (TJRJ – AC nº 2004.001.21123 – 7ª CC).
Um outro aspecto que pode gerar a reparação por dano moral é o dever conjugal da mútua assistência, proveniente do débito conjugal, entendido este como o “direito-dever do marido e de sua mulher de realizarem entre si o ato sexual”.
Ensina Maria Helena Diniz que “um cônjuge tem o direito sobre o corpo do outro e vice-versa, daí os correspondentes deveres de ambos, de cederem seu corpo ao normal atendimento dessas relações íntimas, não podendo, portanto, inexistir o exercício sexual, sob pena de restar inatendida essa necessidade fisiológica primária, comprometendo seriamente a estabilidade da família”.
Mas, em função do respeito que deve existir entre marido e mulher no seu relacionamento íntimo, é preciso registrar a existência de limites que devem ser observados na prestação do débito conjugal, pois configura-se ato ilícito o assédio à esposa para a prática de atos sexuais anômalos ou não convencionais, a se permitir a constituição de atentado violento ao pudor ou ofensa à honra da mulher.
Conceitua-se atentado violento ao pudor o ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
Exigir ou forçar a mulher a essa prática sexual contra sua vontade, mesmo sendo esposa, constitui-se em ato ilícito ensejador de reparação por dano moral.
Nesse sentir, já decidiu o TJRS:
“O coito anal, embora inserido dentro da mecânica sexual, não integra o débito conjugal, porque este se destina à procriação. A mulher somente está sujeita à cópula vagínica e não a outras formas de satisfação sexual, que violentem sua integridade física e seus princípios morais. A mulher que acusou o marido de assédio sexual no sentido de que cedesse á prática da sodomia, e não demonstrou o alegado, reconhecidamente de difícil comprovação, assume os ônus da acusação que fez sem nada provar” RJTJRS 176/763 – 07.03.1996.
Envolvendo ainda esse contexto de atos extravagantes relativos ao débito conjugal, vale a pena consignar o Julgado abaixo:
“O sadismo erótico do marido tornando sobremaneira difícil o relacionamento sexual dos cônjuges e, em conseqüência, insuportável a vida em comum, constatada essa anomalia pela mulher após o matrimônio, configura erro essencial quanto à identidade civil e social do outro cônjuge, autorizando a anulação das núpcias, seja com base no nº I, seja com fundamento no nº III do art. 219 do CC” (TJSC – apel. 97.003247, de 08.05.1997, IOB Jurisp 3/13.453).
A indenizabilidade por dano moral decorrente do abalo emocional sofrido pelo cônjuge inocente, em razão da causa que provocou a dissolução do matrimônio, merece reparação por dano moral, em razão da violação do pacto conjugal, isso porque, um ilícito evidenciado é pressuposto para a permissiva reparação, tornando-se desnecessário a comprovação do dano, bastando assim, a evidência do evento desregrado, incomum ou fora dos padrões e costumes naturais.
As sevícias, a injúria grave e o desfazer do vínculo conjugal, como motivo e efeito, podem gerar danos, objetivos e subjetivos, materiais e morais, necessitando para tanto, a demonstração de suas manifestas ocorrências, conquanto para o juízo de indenizabilidade é suficiente, apenas, a realização da ilicitude apontada, no caso afronta direta ao respeito e a consideração ao outro cônjuge, violando assim, aquele dever de “respeito e consideração”, para proporcionar o constrangimento, a vergonha, a dor e afetação emocional.
A propósito, “para efeito de indenização, em regra, não se exige a prova do dano moral, mas, sim, a prova da prática ilícita donde resulta a dor e o sofrimento, que o ensejam. (STJ – REsp 204.786-SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 7/12/1999)”.
No Direito brasileiro, dentre as referências doutrinárias, ensina Yusself Said Cahali que “admitida a infração dos deveres conjugais como causa da separação judicial (Lei nº 6.515/77, art. 5º), tem-se preconizado que, para além da dissolução-sanção da sociedade conjugal, o cônjuge culpado deve responder igualmente por danos morais conseqüentes da causa da separação”.
Nos termos atuais definidos pelo Código Civil, o prazo prescricional para fins de reparação por danos morais é de três anos, portanto, somente o fato acontecido nos últimos três anos tem viabilidade processual.
Fonte: Correio Forense