Com a análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei que privatizou cartórios extrajudiciais na Bahia em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), a Associação Baiana de Notários e Registradores decidiu contestar o voto da ministra Cármen Lúcia. A magistrada é relatora do caso na Corte e votou pela inconstitucionalidade da lei 12.352/2011, aprovada pela Assembleia Legislativa da Bahia.
Sancionada pelo então governador Jaques Wagner (PT), a lei em questão define que os serviços notariais e de registro poderão ser exercidos em caráter privado, por meio de delegação do Poder Público e de fiscalização do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). A legislação diz ainda, em seu segundo artigo, que será dado aos servidores “legalmente investidos na titularidade das serventias oficializadas a opção de migrar para a prestação do serviço notarial ou de registro em caráter privado, na modalidade de delegação instituída”.
Aqueles que não aceitaram a proposta permaneceram no regime público, à disposição do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), que deveria lhes atribuir “função compatível com aquela para a qual prestaram concurso público”. O mesmo foi validado para os então servidores substitutos e os escreventes.
Foi contra essa legislação que a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou a Adin no STF e garantiu posição favorável da relatora, a ministra Cármen Lúcia. No voto publicado semana passada, ela defendeu o argumento de que a lei é inconstitucional ao indicar que, em 2004, o TJ-BA promoveu concurso público apenas de provas, específico para a titularização dos cartórios e também restrito aos servidores do quadro de analistas judiciários do tribunal. “É inconstitucional, contrariando não apenas a exigência do concurso específico de provas e títulos, franqueado a todos os cidadãos, mas o regime jurídico previsto no artigo 236 da Constituição da República”, argumentou a ministra.
Esse argumento é refutado pela Associação Baiana de Notários e Registradores (ABNR), cuja presidente Emanuele Perrota afirma ter sido aprovada para o cargo exatamente no concurso de 2004. “Cármen Lúcia erra quando diz que o concurso foi fechado”, frisa a tabeliã em entrevista ao Bahia Notícias.
“O [concurso] de 2004 que a relatora colocou que foi interno foi feito pela Cespe/UnB, que é o concurso que eu mesma fiz. Eu tinha 24 horas de Bahia. Cheguei, fui procurar um concurso e vi lá um concurso pra cartório. Eu não era servidora pública. A ministra se equivocou, pois sempre foram colocados abertamente pra qualquer cidadão fazer”, rebate Emanuele, representante dos delegatários antigos, que prestaram concurso para assumir o posto de 1963 até o ano em questão.
“Nós somos delegatários de 1987, de 1990, 1994, de 2004, que foi o último concurso feito antes da privatização porque, como todo mundo sabe, a Bahia foi o último estado a privatizar. Em 2008, o CNJ [Conselho Nacional de Justiça] fez uma varredura em todos os cartórios do país e declarou quais eram os cartórios vagos e quais eram providos por concurso público. Todos esses cartórios que foram feitos concurso público até 2004 foram declarados providos por concurso público”, explica Emanuele. Ela usa esse contexto para explicar porque a AL-BA não definiu pela privatização pura e simples, mas, sim, deu aos concursados o direito de escolher sob qual regime ficar.
Só que ao julgar a Adin parcialmente procedente, assegurando a titularidade dos cartórios apenas aos oficiais de registro e tabeliães concursados antes da promulgação da Constituição da República de 1988, a ministra votou pela retirada dos direitos de parte dos associados da ABNR. A entidade ainda aguarda o julgamento em plenário, quando os demais ministros podem ou não seguir o voto da relatora. Mas, se a posição de Cármen Lúcia prevalecer, Emanuele ressalta que eles vão entrar com recurso.
“Vamos entrar judicialmente e dizer: ‘eu prestei um concurso’. Vamos entrar com um mandado de segurança e vamos ficar no cartório de forma estatizada porque não vão poder nos tirar. E quem vai ser penalizada? A sociedade baiana”, defende.
Até o momento, apenas a ministra Rosa Weber votou, seguindo o posicionamento da relatora. Como o plenário é virtual, os magistrados podem registrar seus votos ao longo da semana. A previsão é de conclusão até a próxima sexta-feira (13).
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