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Exigir advogado em divórcio consensual, sem filhos e sem bens, é desproporcional
Artigo de André Luis Melo

Por André Luis Melo

Desde 2007 há a possibilidade de os casais optarem pela via extrajudicial para divórcio consensual, desde que não haja filhos incapazes ou menores de 18 anos. Hoje é muito raro usar a via da separação judicial, pois não há limite para o número de divórcios em relação aos interessados, como era outrora.

Ressalta-se que  para casar não é obrigatória a assistência jurídica, embora seja a  fase em que se assina o “contrato”  matrimonial e as suas obrigações civis, notadamente patrimoniais. Mas, no momento em que se divorcia, exige-se a assistência jurídica, embora os termos do “contrato” já estejam firmados anteriormente no momento do casamento e  opção pelo regime matrimonial.

O que gera também paradoxo é o fato de que um casal maior de idade, sem filhos ou com filhos maiores de 18 anos e capazes, sem nenhum patrimônio a partilhar, tenha que contratar advogado ou o Estado remunerar Defensor Público ou advogado dativo para homologação do divórcio consensual extrajudicial. Qual o risco para este casal que justifica o trabalho jurídico? Neste caso, o objetivo da lei foi proteger o casal ou proteger mercado de trabalho de alguns?

No divórcio consensual extrajudicial não há necessidade de juiz, nem promotor, mas há necessidade de advogado particular ou defensor público. Ora, se há bem, é até possível justificar a obrigatoriedade da atuação do advogado, embora ainda seja polêmico, pois questão apenas patrimonial, logo disponível. Porém, se não há bens, nem incapazes, qual o sentido da assistência jurídica no divórcio consensual ?

Trazemos o texto legal para uma maior reflexão sobre a polêmica:

LEI 11.441, DE 4 DE JANEIRO DE 2007.
Art. 3º A Lei 5.869, de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 1.124-A:
“Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.
§ 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis.
§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. (grifo nosso)
§ 3º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.”

É preciso equilibrar os interesses sociais com os interesses de categoria profissional. O modo mais eficiente para este parâmetro  é tratado na doutrina como princípio da proporcionalidade.

De fato, o artigo 133 da Constituição Federal assegura que o advogado é essencial à administração da justiça. Esta redação tem muita polêmica, embora haja poucos estudos sobre o teor do conceito “administração da justiça”.

Por outro lado, temos o direito natural de autodeterminação do cidadão, o qual tem o direito de se dirigir aos órgãos públicos, independente de intervenção de terceiros (direito de petição e até mesmo de Jus postulandi).  A rigor, o Direito Natural de Petição é mais amplo que o previsto no artigo 5º, inciso XXXIV, da CF, pois inerente ao próprio conceito de cidadania plena.

O fato de ser uma ação de estado (divórcio), não implica, por si só, necessidade uma intervenção estatal em excesso (juiz e promotor), inclusive o Tabelião de Notas e o Registrador Civil já exercem delegação estatal e controle de eventual ilegalidade, a qual poderá ser apurada judicialmente, se for o caso. Em suma, o casal pode divorciar e depois casar novamente, logo o risco neste caso de ausência de filhos menores e bens não justifica o trabalho obrigatório de assistência jurídica, nada impedindo que as partes optem pela assistência jurídica voluntariamente, o que poderá até constar, ou não da ata notarial, conforme for solicitado pelos envolvidos.

Dessa forma, atento ao princípio constitucional implícito da proporcionalidade, de origem alemã, e já reconhecido pela doutrina e também  pelo STF várias vezes em julgados como na ADI 958-RJ, ADI 1.158,  e na ADI 855-PR, além de inúmeros outros julgados. Muito próximo da forma de interpretação da lógica do razoável. A exigência de advogado para divórcio extrajudicial consensual viola a as regras da necessidade e da adequação e gera custo para o Estado e para o cidadão sem existência de risco que justifique esta segurança ou proteção. Afinal, não há conflito entre o casal no divórcio, nem bens em risco, e além disso há a fiscalização pelo tabelião, logo não há justa causa para a obrigatoriedade de assistência jurídica, uma vez que não há risco a direito fundamental, logo é desproporcional a exigência, o que não veda a voluntária ou facultativa.

Caso se entenda pela obrigatoriedade da assistência jurídica neste caso, também teria que haver obrigatoriedade de assistência psicológica para o casal que deseja divorciar, ou seja, apenas após uma avaliação de um psicólogo (que constaria no documento notarial) é que haveria permissão para que fosse formalizado o divórcio, o que seria um excesso de intervencionismo oriundo de norma estatal.

Nesse sentido citamos Celso Ribeiro bastos,  4ª edição revista e atualizada pela Editora Malheiros, 2014,  p. 167:

“Na Alemanha, berço doutrinário da referida técnica de verificação da razoabilidade, o Tribunal  Constitucional Federal, em decisão proferida em 1971, assim sintetizou o tema: ‘ o meio empregado pelo legislador deve ser adequado e exigível, para que seja atingido o fim almejado; ele é adequado quando com o seu auxílio se pode promover o resultado desejado; ele é exigível, quando o legislador não poderia ter escolhido outro igualmente eficaz, mas que seria um meio não-prejudicial ou portador de uma limitação menos perceptível a direito fundamental (BverfGE 30 292, (316), apud  Willis Santiago Guerra Filho, in Ensaios de Teoria Constitucional,Fortaleza, 1989.

Diante, desta situação de colisão de direitos e interesses deve se prevalecer o que assegura maior amplitude de acesso ao direito pelos cidadãos e sem risco social. Logo, neste caso, deve-se concluir através do  Método de  Interpretação Conforme a Constituição Federal que o §2º do artigo 1124-A, acrescentado ao CPC, é parcialmente inconstitucional ao não discriminar que no caso de casal sem bens não há necessidade de advogado, nem defensor público para assinar atuar no ato notarial, bastando que o tabelião conste  no ato que não foi  prestada assistência jurídica obrigatória  ao casal por não haver bens a serem partilhados, não sendo proporcional a exigência de advogado para o ato em face da hermenêutica constitucional e garantia da autonomia da cidadania.

André Luis Melo é promotor de Justiça, mestre em Direito Público pela Unifran e doutorando pela PUC-SP

Fonte: Consultor Jurídico