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PEC ‘trem da alegria’ dos cartórios está para ser votada na Câmara
Data não está marcada

Depois de nove anos de idas e vindas, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Cartórios está pronta para ser votada na Câmara dos Deputados. Apelidada de “trem da alegria”, a PEC dá a titulares de cartórios que não fizeram concurso público o direito de permanecer no posto.

A data da votação ainda não está marcada, mas a briga dos cartorários para ficar onde estão é grande. Afinal, só no segundo semestre de 2013, a atividade registrou faturamento de R$ 5,2 bilhões. O lobby atinge até o relator da PEC, deputado João Campos (PSDB-GO): o escritório dele funciona em um imóvel de propriedade de Maurício Sampaio – afastado provisoriamente da gestão de um dos cartórios mais lucrativos do país. Não há cobrança de aluguel.

Do total embolsado pelos cartórios no semestre passado, R$ 826,9 milhões, ou 15% do total, são de estabelecimentos geridos por pessoas não concursadas. O 1º Tabelionato de Protesto e Registro de Pessoas Jurídicas, Títulos e Documentos de Goiânia, antes gerido por Sampaio, faturou mais de R$ 12,01 milhões no período. É o quarto mais rentável do país entre os que são ocupados por interinos.

Sampaio foi afastado do posto no ano passado por decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), após terem sido identificadas irregularidades na gestão. Ele tenta retomar o posto e lá permanecer, mesmo sem ter feito concurso público.

Deputado diz ser isento

O deputado João Campos não vê incompatibilidade alguma em relatar a PEC e receber favor de um dos interessados na aprovação dela. O parlamentar esclarece que é amigo de Sampaio de longa data e garante que é isento para tratar do tema. Por coincidência, o relatório de Campos atende aos interesses de Sampaio.

“Ele é amigo meu desde 1983, antes de eu pensar em política. Não existe relação de interesse dele a partir do meu mandato. Meu mandato começou em 2003. Não sou influenciado por ele, estou convencido de que a aprovação da PEC é uma questão de justiça”, disse Campos.

O imóvel cedido por Sampaio ao parlamentar fica no Setor Pedro Ludovico, bairro de classe média de Goiânia. A Câmara é responsável por custear os escritórios dos deputados em seus estados de origem. Como Sampaio não cobra o aluguel, os cofres públicos custeiam apenas condomínio, IPTU e outras despesas decorrentes da ocupação.

Historicamente, os tabeliães eram nomeados por governadores. A concessão do serviço era hereditária. A Constituição de 1988 estabeleceu a necessidade de aprovação em concurso público para ser cartorário, mas a regra só foi regulamentada por lei em 1994. Em 2009, o CNJ baixou uma resolução obrigando os Tribunais de Justiça do país a abrir concurso para o preenchimento dessas vagas. Se aprovada, a PEC irá assegurar cargo vitalício para quem exerceu as funções durante o período sem regulamentação, de 1988 a 1994.

O Brasil tem hoje 13.785 cartórios, dos quais 4.576 estão vagos — ou seja, são ocupados por interinos que não se submeteram a concurso público. Todos os tribunais já convocaram concurso público, à exceção do Tribunal de Justiça de Tocantins. Em alguns estados, mesmo com o concurso já concluído, os vencedores não conseguem ser empossados, porque os titulares anteriores conseguiram autorização judicial para permanecer no cargo até que o Supremo Tribunal Federal (STF) tome uma decisão definitiva.

Liminares garantem posto

Entre os cartórios vagos, 129 interinos conseguiram liminar para garantir a permanência no posto, mesmo sem terem sido aprovados em concurso público. Também há 196 liminares desse tipo concedidas pelo próprio STF. Apesar de serem organizações privadas, os cartórios são uma concessão do poder público. O lucro decorre de taxas cobradas por serviços compulsórios, como registros de firmas, atas, documentos, procurações, casamentos, testamentos e certidões de imóveis. Para permanecer no cargo, os interinos argumentam que têm direito adquirido para exercer a atividade.

O CNJ combate esse argumento e enviou um parecer aos presidentes da Câmara e do Senado alertando para a inconstitucionalidade da PEC. “Ninguém pode conquistar um cargo público, de caráter vitalício, por usucapião. Se eles (os substitutos) querem a vaga, podem tentar o concurso”, diz o documento. O Executivo tem a mesma posição.

Fonte: O Globo

Foto: Luis Macedo – Câmara dos Deputados