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Venda de imóveis sob investigação
PC investiga servidores de cartórios que podem ter facilitado casos de fraude

O sonho de comprar um imóvel ou qualquer outro bem que precise de registro pode terminar em uma grande decepção, se muitos cuidados com relação aos documentos exigidos não forem tomados. O número de fraudes, que tem sido praticado é cada vez maior, conforme dados da Delegacia de Defraudações e Falsificações (DDF). Conforme o titular da Especializada, delegado Jaime Paula Pessoa, até mesmo servidores de cartórios estão sob suspeita de expedir documentos de forma fraudulenta.

A fragilidade dos documentos tem facilitado a vida dos falsários e o fato de ter um papel que ateste alguma coisa, já não traz mais segurança para um negócio, alerta o delegado. “Temos inúmeros procedimentos em investigação, decorrentes de vendas ilícitas de imóveis e veículos. O comprador não pode adquirir qualquer coisa, que ele não conheça a procedência em sua inteireza. É importante que ele mesmo trate da negociação com o proprietário do bem”.

O número de delitos praticados que envolvem documentação é muito alto, segundo a Polícia. Os procedimentos apontam golpes grosseiros, que foram cometidos com base em procurações com dados e assinaturas falsas; mas também casos especializados, que contaram até certidões que teriam sido fornecidas por cartórios, mas apresentam dados que não condizem com a realidade. Essas fraudes mais elaboradas são praticamente imperceptíveis por um leigo, conforme o delegado titular da DDF.

“Não é raro ocorrência de queixas nesta delegacia de documentos de cartórios que têm sua legitimidade discutida. As pessoas compram acreditando que, por ter um documento emitido por um cartório, não existe a chance de ser falso, mas isto não é mais uma garantia total”, disse Jaime Paula.

O titular da DDF disse ainda, que já fez diversas denúncias à Corregedoria Geral de Justiça do Ceará sobre as queixas das supostas irregularidades cometidas dentro dos cartórios. “Já fiz várias denúncias, mas nunca recebi uma resposta sequer. Além dos documentos de legitimidade duvidosa, outra irregularidade é evidente: Alguns cartórios do Interior abrem uma espécie de ‘escritório’ na Capital e passam a funcionar, mesmo essa prática sendo ilegal. A maioria das denúncias de fraude que envolvem cartórios vem, exatamente, destes ‘escritórios'”.

Burocracia

Jaime Paula lembra que praticamente todos os documentos estão sendo falsificados, por pessoas que buscam mecanismos próprios para conseguir se aproximar cada vez mais do original. “Tenho um caso aqui de uma pessoa que registrou mais de 50 perdas de documentos, em nomes de terceiros, para retirar um documento novo e passar a usar os dados. Já recebemos até alvarás de soltura e outras decisões judiciais falsas. O fato é que a fragilidade dos documentos é uma questão urgente, que precisa ser revista”.

Para o delegado, a tentativa de desburocratizar o sistema acabou deixando-o sem segurança. “Ao diminuir a burocracia, as portas ficaram abertas para os falsários. O Brasil não estava preparado para esta facilitação, porque não havia medidas de segurança equivalentes”.

O titular da DDF ressalta que negociações que envolvem bens que estão sendo inventariados, requerem um cuidado ainda maior. “Quem se interessa por estas compras precisa conhecer todos os herdeiros do bem e se certificar que todos eles concordam com a negociação. O recomendável é ter prudência, porque a pressa pode ser uma grande aliada dos prejuízos”, disse Jaime Paula Pessoa.

Sob investigação

Um caso de um terreno que foi vendido de forma fraudulenta apresentado à reportagem, pelo diretor do Departamento de Inteligência Policial (DIP) delegado Francisco Carlos de Araújo Crisóstomo, está sendo investigado na DDF. Segundo Crisóstomo, uma das herdeiras do terreno, situado na Rua Cônego de Castro, no bairro Parangaba, negociou a venda por meio de um intermediário. Um empresário comprou o imóvel e só depois de efetuar o pagamento percebeu que havia sido enganado e acionou a Polícia.

Conforme o diretor do DIP, a escritura apresentada por este intermediário ao comprador era registrada em um cartório da Cidade de Solonópole e continha dados que estão sendo contestados. O delegado concorda com Jaime Paula Pessoa e diz que considera absurdo um cartório ser suspeito de fraude.

“A escritura que foi entregue ao comprador era feita em um cartório de Fortaleza, com base em uma outra expedida por um cartório de Solonópole. O primeiro documento tinha a assinatura dos donos do terreno, que estão mortos. Ou seja, o cartório está dizendo que dois cadáveres comparecerem e assinaram um contrato. Se já vamos a um cartório para dar legitimidade a um documento, como eles próprios registram uma escritura totalmente falsa?”, disse o delegado.

Ainda conforme Crisóstomo, o intermediário é vendedor de carros e está sendo investigado. “Ele precisa se explicar. A vítima desembolsou R$ 440 mil por este terreno e apresentou os recibos disto. Agiu totalmente de boa fé e foi enganado”. Jaime Paula disse que foi aberto um inquérito na DDF sobre o caso.

A vítima e o intermediário da negociação já foram ouvidos. O representante do cartório e a herdeira foram notificados e devem comparecer à Especializada. “A fraude existe e é gritante. Vamos analisar quem vai ser indiciado. O que já sabemos é que o comprador foi totalmente vítima”, afirmou o titular da DDF.

FIQUE POR DENTRO

Lei específica regulamenta punições

A Lei dos Cartórios (Lei 8.935 de 18/111994) regulamenta o Artigo 236 da Constituição Federal, que dispõe sobre serviços notariais e de registro. A legislação prevê que, em caso de descumprimento de seus deveres os notários ou registradores podem ser punidos com repreensões, multas, suspensão e perda de suas delegações. A repreensão deve acontecer no caso de falta leve; a multa, em caso de reincidência ou de infração que não configure falta mais grave; a suspensão, em caso de reiterado descumprimento dos deveres ou de falta grave.

Corregedoria da Justiça está investigando 36 denúncias

Existem no Ceará 678 cartórios ativos, atualmente. Destes, 36 estão sendo investigados pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Ceará, por conta de denúncias de naturezas diversas. No último dia 22 de outubro, o órgão realizou algumas inspeções para apurar queixas, em relação a cartórios de determinados Municípios, que estariam mantendo sucursais.

“Alguns locais da Capital foram inspecionados, em virtude de denúncias que chegaram ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sobre a possibilidade de existência de cartórios do Interior do Estado funcionando na Capital. A existência de sucursais é proibida pela Lei Federal 8935/1994, em seu artigo 43”, declarou o auditor Sóstenes de Farias. Conforme dados da Corregedoria Geral, nenhum ponto que funcionasse de forma clandestina foi encontrado durante a fiscalização.

Recorrentes

As denúncias mais recorrentes que chegam à instituição são em função dos prazos de entrega de documentos, como certidões e registros, conforme o auditor. No entanto, quaisquer tipo de reclamações ou denúncias de supostas irregularidades podem ser feitas pelo cidadão, que utiliza os serviços de um cartório. Sóstenes Farias diz que, caso se sinta lesado de alguma forma, o cidadão deve fazer a comunicação com a Corregedoria, para que o fato seja apurado.

Nos últimos dois anos, 100 Processos Administrativos Disciplinares (PAD) foram abertos para apurar condutas adotadas por instituições de registros. Neste ano, apenas um órgão foi punido, com uma repreensão.

“As denúncias podem ser feitas no site da Corregedoria Geral de Justiça (www.Tjce.Jus.Br/corregedoria), ou o cidadão pode vir pessoalmente ao órgão. Também podem ser feitas ao juiz corregedor permanente da Comarca em que o denunciante reside”. Farias lembra que é necessário que quem está fazendo a denúncia revele sua identidade, pois o anonimato nestes casos é totalmente vetado.

Sobre as queixas de que algumas instituições de registro estão expedindo documentos que contêm informações que não condizem com a verdade e estão tendo sua legitimidade investigada pela Polícia, o auditor da Corregedoria disse não ter conhecimento disto.

“Não é do conhecimento da Corregedoria Geral de Justiça que cartórios emitam documentos sem legitimidade, uma vez que os delegatários têm fé pública para a emissão de documentos referentes às suas atribuições”, declarou o servidor. A instituição que tem poder de fiscalizadora, disse que só pode informar como estão os resultados das investigações da DDF, se o cartório for especificado.

Código

A Corregedoria Geral da Justiça relançou o Código de Normas do Serviço Notarial e Registral do Ceará. As modificações do documento que já existia, foram publicadas no Diário da Justiça Eletrônico, no dia 28 de novembro. Conforme a Corregedoria, o código assume a tarefa de uniformizar procedimentos e melhorar a prestação de serviço notarial.

Sindoredi diz não saber de suspeitas

Alguns cartórios teriam sido induzidos ao erro na lavratura de documentos públicos, com apresentação de documentos pessoais falsos perante o tabelião, conforme o presidente do Sindicato dos Notários, Registradores e Distribuidores (Sinoredi/CE), Denis Bezerra. Ele disse que nem a instituição que representa, nem a Associação dos Notários e Registradores (Anoreg) tinham conhecimento dessas investigações feitas pela Polícia Civil, nem pela Corregedoria.

No entanto, Bezerra lembra que é importante que o cidadão registre suas queixas, se achar necessário, inclusive em relação a autenticidade dos documentos. “É importante lembrar que as dúvidas em relação a autenticidade de documentos e outros procedimentos devem sempre ser investigadas para garantir a lisura da atuação cartorial”.

O presidente do Sindoredi/CE diz que diante da quantidade de procedimentos que são lavrados em cartórios, os casos citados pela Polícia, são muito inferiores. “É necessário comparar com a quantidade de atos praticadas mensalmente ou anualmente pelos cartórios, o que demonstrará que esses casos têm um índice muito baixo”.

Denis Bezerra disse ainda, que o setor cartorário está passando por um processo de modernização. “A cada dia se aperfeiçoa mais o cruzamento de dados entre os cartórios e o INSS, a Receita Federal e outras instituições federais que recebem os dados enviados pelas serventias”, ressaltou.

Fonte: Márcia Feitosa – Diário do Nordeste